quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Em busca de lágrimas absolutas

Ricardo Gondim

Minhas antigas amizades se dissolvem como bolhas de sabão. Esqueci nomes. Mal consigo lembrar os olhos de quem já passou por minha vida. O passado diluiu momentos que poderiam torná-los familiares. Fiz-me irmão, e doei-me inteiramente a companheiros, mas hoje hesito. Desconfiado, reparto pedaços do coração. Não suporto imaginar a dor de outras separações, de mais decepções.
Tenho medo de abrir os porões da alma. A desarrumação de minha casa faz sentido para mim. O que os outros consideram bagunça, tem uma sincronicidade própria, que me deixa em paz. Vacilo em rasgar os envelopes selados, onde escondo segredos. Sei detectar os traumas que me deixaram chorão, os complexos que me deram olhos melosos, as circunstâncias que me fizeram viver à beira do pranto, as fragilidades que me transformaram em tímido. Mas não pretendo explicar nada a ninguém.
Tornei-me cauteloso quando brinco e rio. Fujo dos que procuram analisar a minha felicidade; ela não carece de julgamentos. O riso que meus lábios desenham não tem que ser explicado. Introjeto a alegria para que não seja pisoteada como a pérola da parábola. Prezo em não deixar vazar frágeis contentamentos; a pouca riqueza que amealhei merece ser guardada debaixo de mil segredos.
Olho para colegas e antecipo navalhadas. Resguardo as costas dos estiletes da inveja. Assusto-me. As maldades que já sofri são parecidas com as que eu próprio já acalentei no peito. Se não sei explicar o porquê de atitudes mesquinhas em mim, também não justifico a estreiteza que observo no próximo. Não sou pior nem melhor que os demais. Por isso, cerco o quintal de casa contra lobos ferozes. Sempre espero alguém ávido para destruir o pedacinho da dignidade que me resta.
Meus desalentos não serão rasos. Desço às regiões abissais da angústia. Envolvo-me na absoluta escuridão da casmurrice; que o lençol do desgosto me isole. Quero ficar na quarentena dos tristes. E provar a verdade de que “são bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Quero acreditar. Você acredita?

Heber de Paula Pareira
Não quero duvidar de nada, quero acreditar em tudo, quero confiar em todos, quero iludir-me, me enganar e não saber jamais sobre a verdade. Não quero pensar que tudo pode ser uma grande mentira. Não, eu não quero pensar na possibilidade de que estou sendo enganado. Quero confiar que tudo é como me dizem. Não é possível que haja mentiras. É impossível que alguém minta para mim. Diga-me o que quiseres, prometo, eu vou acreditar por mais absurdo que pareça. Vou fechar meus olhos e acreditar somente, vou sorrir e confiar. Vou acreditar que você me ama. Vou acreditar sempre, mesmo que as circunstâncias me provem o contrário eu vou acreditar em você. Tenho certeza, no mundo só há verdades. Todas as pessoas são boas, cheias de boas intenções. O amor brilha em cada olhar, por isso confio em todos. Todo o mundo me quer bem. É facil ver isso. Ninguém quer me enganar, ninguém quer prejudicar-me. Não há nesse mundo aproveitadores, não há covardes, não há assassinos, ladrões, desonestos, mentirosos, invejosos, difamadores, nada disso existe nesse mundo maravilhoso. Posso passear pelas praças a qualquer hora do dia, posso andar pelas ruas até altas horas da noite. Sempre haverá uma boa companhia para andar um pouco comigo, um bom amigo para conversar. Não preciso ficar vigiando minha bolça ou minha bicicleta pois ela vai estar bem aonde eu deixei me esperando para dar mais uma volta. Posso dormir com a janela do meu quarto aberta, é tão bom porque sempre entra um vento frio de madrugada me obrigando a cobrir meu corpo. Joguei as chaves fora, não preciso trancar as portas. Todo mundo que chega é bem vindo, são todos amigos e irmãos. É muito bom acreditar em todos e em tudo.
A verdade é cruel, não alivia nunca. Vem moendo tudo quanto é sentimento. Ela não conhece nomes, todos são iguais perante ela. Não há homem ou mulher, não há crianças nem velhos, ricos ou pobres, feio ou bonito. Todo mundo está nú frente a verdade. Parece constrangedor ficar assim, não dá para acreditar em alguém tão severo quanto a verdade. Tão inflexível que machuca. Quebra qualquer argumento.
A mentira é mais compreensiva, maleável, simpática até. Sempre dá o seu "jeitinho". A mentira tenta exaustivamente tornar as coisas melhores. Não quer causar dor, nem desconfianças. Não quer mostrar a maldade de ninguém, nem os defeitos por isso todos são perfeitos. Posso acreditar em todo mundo. Com a verdade não há isso, "pau é pau e pedra é pedra" e só, quer gostem ou não. A verdade não tenta agradar ninguém, ela só quer mostrar a realidade por mais dolorosa que seja. Por que a verdade é assim tão fria e dolorosa? Ela devia pensar um pouco mais nas pessoas, afinal, as pessoas tem sentimentos! Ou será que quem deveria pensar mais nas pessoas é a mentira? Será que a verdade só é assim por causa da mentira? E se não existissem mentiras? Será que posso fazer esse tipo de pergunta sem ofender a mentira? Afinal, ela faz tanto pelas pessoas, ela dá tantas voltas para não ofender ou machucar alguém! Ela é tão boazinha, não posso pensar assim. Isso é coisa da verdade, a verdade não se importa em ferir desde que ela esteja na história.
Por isso quero confiar em todos, quero acreditar em todo mundo.
Será possível estar acima da verdade ou da mentira? Vai saber...

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"Deverias" e "ses"

Henri J. Nouwen

É dificil viver o presente. O passado e o futuro continuam a atormentar-nos. O passado com remorsos, o futuro com preocupações. Na nossa vida aconteceu tanta coisa que nos causa intranquilidade, desgosto, indignação, confusão ou, pelo menos, ambivalência. E todos esses sentimentos não raro, são coloridos com sentimentos de culpa. Culpa que se pode expressar assim: " Você deveria ter feito mais do que fez; deveria ter dito mais do que disse". Estes "deverias" contribuem para nos sentirmos culpados em relação ao passado e impedem-nos de marcar presença neste momento.
Mas pior ainda que as culpas são as nossas preocupações. As nossas preocupações enchem-nos a vida de "o que será se". "O que será se eu ficar desempregado? O que será se meu pai morrer? O que será se nao tiver dinheiro suficiente? O que será se a economia enfraquecer? O que será se estourar uma guerra?"
Estes muitos "ses" podem ocupar a nossa mente de tal maneira que nos tornamos cegos para olhar as flores dos jardins, as sorridentes crianças das estradas, ou surdos para escutar a voz agradecida de um amigo.
Os verdadeiros inimigos da nossa vida são os "deverias" e os "ses". São eles que nos puxam para um passado que não se pode modificar e para um futuro imprevisivel. Mas a vida real tem lugar aqui e agora. Deus é um Deus do presente. Deus está presente neste momento, quer seja dificl ou fácil, quer alegre ou triste. Quando Jesus falou de Deus, falou sempre de deus no presente onde nós estamos e quando lá estamos. "Quem me vê, vê a Deus", quem me ouve ouve a Deus", Deus não é alguem que foi ou que será, mas aquele-que-é, e que é para mim no momento presente. Eis porque Jesus veio tirar de nós o peso do passado e as preocupações do futuro. Ele quer que nós descubramos a Deus precisamente onde estamos, aqui e agora.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Que verdade?

Heber de Paula P.


Escolhe para mim? Decida por mim?
Por que tenho de escolher? Por que não posso opitar por não escolher?
Não confio tanto em minhas "verdade".
Será que aprendí bem a lição?
Não é facil acreditar em verdades solitárias. É mais fácil confiar no que todo mundo diz.
Ainda que o barco afunde, é melhor que uma canôa. Olhando assim, parece melhor morrer junto do que viver sozinho. Não estou falando de solidão, estou falando de verdades e das verdades que todo mundo diz. Ainda que a voz do povo não seja realmente a voz de Deus, se não acredito nessas verdades sou realmente um herege.
As vezes sou tentado a crer que não existem verdades ( ainda que isso também não seja verdade), e que existam apenas maioria e minorias, a voz da multidão e o sussurro tímido e solitário. Apesar do calor e conforto da multidão, tenho compaixão pelo solitário. Outras vezes me sinto eu mesmo o solitário e desamparado. São poucos os que se preocupam com os solitários.
A multidão enfurecida passa depressa e acaba esmagando sem piedade, sempre em nome da verdade, e segue sempre adiante em direção a não sei onde.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Esmagados pela graça

Ricardo Gondim

Li “Os Miseráveis” e me assombrei com a genialidade de Victor Hugo. O personagem central da narrativa é Jean Valjean, um egresso das galés. Impressionei-me como Victor Hugo construiu a história desse homem bom que lutou contra circunstâncias difíceis e gente perversa. Livre há quatro dias, Jean Valjean não encontrava quem o acolhesse devido ao seu passado. Sua fama o prejudicava. Cansado, com frio e faminto, precisava descansar. Sabendo que o prenúncio de chuva o mataria, Valjean procurou um albergue. Em vão. Até os cachorros o enxotavam. Desesperado, encontrou uma pessoa que lhe indicou a casa do bispo da cidade, D. Bienvenu. A anônima samaritana disse que o santo homem de Deus lhe daria hospedagem.
Quando bateu na porta da casa do bispo, Jean Valjean não escondeu sua vida pregressa. Mesmo assim, D. Bienvenu o hospedou, convidou para dividir a ceia e ainda lhe forneceu bons lençóis para a noite de sono. O ex-presidiário, entretanto, ainda padecia os efeitos de uma vida marcada pelo estigma do crime. Valjean ainda estava assustado com o mundo; era como um animal encurralado que precisava se defender. Valjean então resolveu fugir da casa do bispo pela madrugada, roubando os talheres de prata. Contudo, não conseguiu ir muito longe. Logo os guardas o pegaram, reconheceram as insígnias do bispo na prataria e o conduziram até a casa que lhe acolhera para ser reconhecido antes de ser devolvido ao cárcere.
Surpreendentemente, D. Bienvenu não só o perdoou como o liberou. Tratou-o com deferência e lhe fez uma pergunta desconcertante: “Estimo tornar a vê-lo. Mas eu não lhe dei também os castiçais? São de prata como os talheres e poderão render-lhe bem duzentos francos. Por que não os levou também”?
Diante do gesto nobre de não levar em conta o roubo e ainda oferecer castiçais, Jean Valjean “arregalou os olhos e contemplou o venerando Bispo com tal expressão que nenhuma língua humana poderia descrever”.
O perdão e o amor gratuito de D. Bienvenu impactou Valjean de tal maneira que sua vida mudou para sempre. O bispo o livrara da acusação da lei, mas o tornava, daí em diante, escravo da bondade. A gentileza, ou a graça, esmagou Jean Valjean. Ele nunca mais pôde ser igual. Ao liberá-lo, o bispo o fez servo de um gesto de grandeza.
Paulo afirmou em Romanos que Deus conduz as pessoas ao arrependimento por sua bondade. “Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento?” (Romanos 2.4).
Portanto, Victor Hugo acertou quando fez de um pastor de almas a encarnação da graça de Deus. Só o amor tem o poder de transformar a vida de qualquer pessoa. Ninguém muda com ameaças; os arrazoamentos doutrinários são impotentes para convencer do que é certo. Jesus ensinou que seus discípulos seriam conhecidos pelo amor e não por uma teologia correta. “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (João 13.35).
Mesmo quando busca arrependimento, Deus não deprecia seus filhos; quando quer humilhar, prefere exaltar; quando deseja constranger, deixa de lado o rigor da lei e opta pelo elogio. Ao invés de ralhar, Deus simplesmente recebe o pecador com festa e aposta no seu futuro. Foi assim que Jesus descreveu o amor do Pai pelo Pródigo. O filho voltava para casa ainda sujo, sem sequer mostrar obras dignas de arrependimento, mas o pai apressado o abraçou, colocou anel no dedo, calçou os pés e o agasalhou com uma capa. O rapaz havia ensaiado um pequeno parágrafo pedindo para ser recebido como “um dos empregados” da casa, mas o velho o interrompeu e deu ordens para que preparassem a festa do bezerro cevado. A partir daquele dia, o filho se tornou escravo da bondade. A generosidade com que foi recebido, mesmo depois de ter se comportado com rebeldia causou um impacto tão grande que o rapaz nunca mais poderia voltar a ser o mesmo.
O mundo está cansado e parece ir de mal a pior. Fomes, guerras, pestes inundam o dia a dia e as pessoas precisam sentir-se amadas. O Evangelho traz a mais alvissareira notícia: "Deus não fecha portas, mas continua a receber os pecadores para restabelecer-lhes a dignidade, sem ameaçar com castigo. Deus gosta de acolher e honrar; dignificar e libertar; desobrigar e gerar compromisso.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Mundo Moderno

Silvio Amarante

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio – maior maldade mundial.
Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matungo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.
Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, maratonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas. Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, Mercedes, motorista, mãos… Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meia-água, menos, marquise.
Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Justiça Social

João Alexandre

A gente não precisa ser milionário
A gente só quer um justo salário
A gente tem que levar fé no trabalho aqui
A gente não precisa criar quizumba
A gente quer sinceridade profunda
Alguém vai ter que por moral nessa casa aqui
Se deu muito feijão, falta no prato
Se deu muita batata, cadê o ensopado?
Queremos a fatia de um bolo que a gente fez!
É só distribuir a coisa direito
E repartir o lucro também com o sujeito
Que quase se suicida no fim do mês.
É hora de se procurar a saída
Todo esse egoísmo acaba com a vida
Quem dera que a gente ouvisse o que Cristo diz...
É hora de procurar o que Cristo diz.

Pra cima Brasil

João Alexandre

Como será o futuro do nosso país?
Surge a pergunta no olhar e na alma do povo.
Cada vez mais cresce a fome nas ruas, nos morros,
Cada vez menos dinheiro pra sobreviver.
Onde andará a justiça outrora perdida?
Some a resposta na voz e na vez de quem manda.
Homens com tanto poder e nenhum coração,
gente que compra e que vende a moral da nação.
Brasil olha pra cima, existe uma chance de ser novamente feliz!
Brasil há uma esperança!Volta teus olhos pra Deus, Justo Juiz!
Como será o futuro do nosso país?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Soprando no Vento...

Blowin' In The Wind
Bob Dylan

Quantas estradas um homem precisará percorrer antes que venha a ser chamado de homem?Quantos mares precisará uma pomba branca sobrevoar antes que ela possa repousar na areia? E por quantas vezes ainda as balas de canhão voarão até serem para sempre banidas?
A resposta meu amigo está soprando no vento, a resposta está soprando no vento...
Quantos anos deve uma montanha existir antes que se desmanche no mar?
Quantos anos devem algumas pessoas existir até que sejam permitidas a serem livres?
E quantas vezes pode um homem virar sua cabeça e fingir que ele simplesmente não vê?
A resposta meu amigo está soprando no vento, a resposta está soprando no vento...
Quantas vezes deve um homem olhar para cima antes que possa enxergar o céu?
Quantos ouvidos deve um homem possuir até que ele possa ouvir o lamento do próximo?
E quantas mortes ainda serão necessárias até que perceba que pessoas demais morreram?
A resposta meu amigo está soprando no ventoA resposta está soprando no vento...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O TROTE DA SOBREVIVENCIA

Antonio Roberto de Paula

Primeiro é o trote e depois o forte som do tampão da lixeira abrindo. Eles chegam por volta das 10 e meia da noite. No começo, a gente estranhava e botava a cara na janela para ver o que estava acontecendo. O horário é propicio, pois eles se antecipam aos madrugadores e aos caminhões de lixo da prefeitura.
E é quase sempre assim: a mãe, e os filhos, de nove e sete anos, talvez um pouco mais, descem da carroça puxada por uma égua cansada. Papelões tomam quase todo espaço da carroça. Devem ter feito uma formidável via-sacra para conseguir tanto papel. Esta deve ser uma das ultimas lixeiras para ser vistoriadas porque o pobre animal dá a impressão que não vai suportar nem mais uma folha. O peso da carga e a maratona trotando o asfalto o deixaram entregue.
O garoto maior joga quase todo o corpo no container para tirar o papelão e passa para o menor, que vai dobrando e entregando para sua mãe, que se encarrega de se ajeitar a pilha. Serviço encerrado, eles sobem na carroça e seguem lentamente na penumbra depois de mais um domino cumprido. Como trilha sonora, o sofrido trote.
Poderia dizer que a miséria desfila em frente a nossa porta enquanto fazemos ouvidos moucos e olhares oblíquos ou enveredar pelo vão da revolta por ver crianças na noite revirando lixo na busca do sustento. Poderia tentar ser poeta ou panfletário, pois as duas formas são necessárias para reforçar a indignação.
Há outra via: admirar a força de uma mulher e duas crianças. Eles sabem, dentro de uma complexidade que os coloca na parte mais fraca da corda, que é preciso ir a luta com as armas possíveis. Neste caso, as armas possíveis são uma égua, uma carroça e as centenas de lixeiras espalhadas na cidade. E se assim lutam é porque confiam que o futuro, mesmo incerto, distante, nebuloso, vai lhes dar ferramentas bem melhores.
Existe um ativo, vibrante e participativo que não compreendemos dentro deste mundo indigno formado por gente digna. Dias destes, depois do serviço terminado, um outro menino catador, desceu de sua carroça e se sentou no meio-fio para comer. Depois de umas garfadas, se levantou e pôs a marmita na boca do cavalo, que arrematou o restante.
Que gesto! Forte o bastante para que concluísse que esse foi o maior exemplo de amizade entre uma pessoa e um animal. Mas, só foi isso? Ou tudo isso? Deixando a tristeza e outros sentimentos recorrentes de lado, fico imaginando se não foi tão somente mais uma cena comum de parceria pela sobrevivência. O menino é quem sabe.

( Antonio Roberto de Paula )

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sobre a morte e o morrer

Rubem Alves

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define?

Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...
Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.
Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”
Dona Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”
Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.
Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética. Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.
Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?
Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.
Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".
Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.
Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

sexta-feira, 20 de março de 2009

O deus que não é Deus

Ricardo Gondim

Existe um deus que não é Deus. O único com força para enfrentar a Deus. Essse deus não vive em alguma dimensão cósmica ou ponto do universo. Seu oratório é a mente humana. Ele é um deus familiar, pois vive nos espelhos da alma. Mesquinho, cobra desempenhos impossíveis. Inclemente, castiga as inadequações dos fracos com fúria. Ofendido por uma pessoa, dizima gerações inteiras. Imprevisível, age com um humor indetectável.
Existe um deus que não é Deus. Capaz de ofuscar o próprio Deus, misturou-se em todas as religiões. Sanguinário, exige sacrifício para estender a sua compaixão. Impassivo, privilegia os eleitos e condena o resto. Indiferente, descarta a prece da criança quando não se encaixa em seus propósitos. Distante, volta as costas para os miseráveis em nome da coerência.
Existe um deus que não é Deus. É possível encontrá-lo nos paços sacerdotais, nas leis canônicas, nas teologias que o sistematizaram. Ele vingou na religião e a cúrias já mapearam as suas ações. Sem bondade, ele defende a virtude. Sem graça, faz apologia da verdade. Os cristão sabem que ele existe; já provaram o fel de sua justiça na Inquisição. O homem-bomba de hoje testemunha o seu furor para os muçulmanos. Ele aparece em cada campanha de oração pentecostal para mostrar como é difícil ganhar o seu favor.
Existe um deus que não é Deus. Ele é uma divindade que não suporta ver Jesus almoçando com pecadores, bebendo vinho perto de mulheres suspeitas, elogiando pagãos ou prometendo o Paraíso para gatunos. Esse deus precisa desaparecer, pois é um ídolo malvado. E só com a sua morte nascerá o Salvador.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Criação e Evolução

Comemoram-se os duzentos anos de Charles Darwin e de sua Teoria da Evolução das Espécies. Até ele a criação era vista como algo fixo, sem mudança desde o 6º Dia da Criação.Em momento algum, todavia, a Bíblia diz que o Pai já não cria e nem trabalha...Ao contrário, Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora...”Os cristãos querem um Deus que Intervenha na vida, mas não querem um Deus que continue criando...Sim! Querem um Deus de milagres para o homem, de criações novas para o homem; mas que não seja milagroso na criação.E mais: fazem diferença entre Jesus curando e criando um olho em um cego de nascença e Jesus criando um órgão em um peixe no fundo do mar...Assim, se são informados que animais estão ainda mudando e evoluindo, ganhando novos membros ou órgãos de adequação à vida, acham que isto seja blasfêmia.Deus criou em Dias Eras de tempo e de não tempo.Cada dia do Dia de Deus é feito de bilhões de anos humanos?... Por que não? Quem declarou tal impedimento?Deus não sofre o tempo; posto que o tempo exista Nele.Entretanto, se crê que o Deus dos crentes, o Criador, não tinha nada a fazer antes do homem.Assim, agora, depois do homem, somente o homem interessa a Deus, pensam eles.Deus, no entanto, assim como redime desde antes da fundação do mundo, também cria desde sempre; e assim como nunca deixou de redimir, também nunca deixou de criar.
O Gênesis diz Quem criou.A ciência tenta dizer como foi criado.Uma coisa é o Autor. Outra a Obra.A fé lida com o Autor. A ciência lida com as Obras.Qual é o problema?Até no quintal de minha casa vejo as coisas mudando, se adaptando...O Salmo 104 nos diz que tais Obras de Renovação da Natureza é trabalho do Espírito Santo, o qual, sendo enviado sobre a Terra, renova toda a criação... sempre.Mas a pressa e a presunção do homem querem dizer quanto tempo Deus tem que ter levado para criar...E mais:A Bíblia não quer dizer como Deus criou. Apenas nos diz que Ele falou e assim se fez.O Deus de Jesus criou, cria e continuará criando!...Ora, o que é que existe entre o Gênesis e o Apocalipse senão Evolução?Sim! O que existe entre o Jardim e a Cidade Santa senão evolução?Evolução como evolução é; ou seja: cheia de “catástrofes”.Entretanto, eu pergunto: E qual é o problema?Darwin não é meu inimigo.Celebro sua ousadia e fé.Todavia, lamento que os crentes tenham endiabrado o homem, exceto os crentes ingleses, os quais, pela via de gente boa de Deus como C.S. Lewis e outros, logo entenderam que ali não havia conflito entre a Bíblia e a ciência.Na América, porém, Darwin virou o diabo!Ora, Darwin nunca esteve em briga com Deus. Apenas, como um homem de ciência, desejava entender a criação.Mas a insegurança dos crentes, que tenta fazer da Bíblia um manual de “Ciências”, comete o crime de tornar anátema aquilo que não entende e nem tem cabeça isenta para refletir em paz a fim de compreender.Ao fim da vida, tendo sido visto lendo a Bíblia por um crente que trabalhava no jardim onde estava meditando, Darwin ouviu o homem perguntar como ele lia a Bíblia se não cria nem na Bíblia e nem em Deus. Darwin assustou-se e disse: “Ah! Não! Eu creio tanto em Deus quanto na Bíblia. O que eu digo é uma teoria de como Deus criou, mas não uma negação de que Ele tenha criado”.Muito assustará os crentes quando e se virem, no Reino de Deus, Charles Darwin, Einstein, Newton, Copérnico, entre outros... — enquanto muitos bispos estarão de fora...Enquanto isto... o obscurantismo perdura.
Já imaginou se Deus está interessado na briga entre criacionistas e evolucionistas?Ah, meus amigos, sem medo eu lhes digo que Ele não está.Assisto documentários sobre a Evolução das Espécies e me deleito no amor de Deus!Todavia, para mim, não há diferença se os 6 dias foram dias pequenos, mínimos de tempo ou se foram bilhões de dias e anos...Entretanto, e se um Dia se tornasse um Dia apenas quando cada processo estivesse parcialmente concluído a fim de iniciar um outro...Dia?Qual o problema?Você está com pressa?Não estou pedindo a sua opinião.Apenas expresso a minha.Afinal, quem pensa que cheguei aqui sem milhões de horas de oração e reflexão?Nele, que trabalha até agora e continua criando sempre, ainda que não vejamos.

Caio

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Livres da perfeição

Elienai Junior

DEUS DE TÃO PERFEITO conheceu a plenitude do tédio. De tão cercado pelo idêntico a si mesmo, incapaz de dizer por que hoje não é apenas um reflexo de ontem, sem jamais ter sonhado com um outro dia, enfadado com a previsibilidade de um mundo impecável, inventou o amor. Ou seria, preferiu amar?
A invenção do amor, ou dos amigos, é o encontro com o imperfeito e aqui está a sua grandeza. Nada se compara ao êxtase da imaginação, à adrenalina do inusitado, ao ciúme diante do livre amante, à ardência do anseio pelo melhor, ao sabor fugidio do fugaz, à satisfação de um mundo transformado, ao descanso gostosamente dolorido diante do que não mais é caos. Sensações próprias da vida imperfeita, do que está para sempre para ser, dos que sempre podem desejar uma outra coisa. Dos humanos.
Logo depois de inventar o imperfeito, Deus conheceu a lágrima da frustração. A dor mais feliz que espíritos livres sentem. Viu as costas dos que mais amou. Duvidou sem desistir, o Criador chorou mais uma vez. Desta lágrima descobriu o perdão. Lágrima esquentada com afeto e graça.
Mal compreendido pelos amigos, inimigos tolos, pecado, recobriram-no de ídolo. De tão cansados do incerto, angustiados por tanta liberdade, os amigos inventaram ídolos, pretensos profetas e arrogantes senhores do futuro, sacerdotes e magos de um deus acuado, cristos milagreiros da mesmice ressurreta. Inventaram a religião, vestiram-se de absoluto.
Deus, que do absoluto fugiu em desespero, que inventara o imperfeito, imperfeito se fez. Inventou-se entre os incertos. Aperfeiçoou a imperfeição. Humanizou-se entre humanos. De tão impreciso, despido das forças do absoluto, igualmente inapreensível, excepcionalmente frágil, tão vivo e tão morto, descortinou o absoluto como quem desnuda o que é mau. Imperfeito, salvou-nos da perfeição.

domingo, 11 de janeiro de 2009

O que há de errado com o mundo?

Heber de Paula P.

Será que as coisas andam como deveriam andar? Será que estão como deveriam estar?
Eu acordo e já sei o que vou ouvir no noticiário: violência, corrupção, terremotos, ciclones e tsunamis. Sei que de vez em quando sou surpreendido por uma noticia nova, não é todo dia que um pai joga a filha pela janela do edifício, não é sempre que uma mãe joga o filho recém-nascido, no rio ou numa lata de lixo, também não é todo dia que alguém sai atropelando pessoas, desce do caminhão e sai desferindo golpes de faca em quem encontram pela frente. Será que tudo deveria ser assim?
De tempos em tempos uma nova doença aparece, uma nova epidemia assusta todo mundo e dizima muitas vidas até ser “controlada”. De 1980 até 2007 foram notificados mais de 474 mil casos de aids no Brasil.
O terremoto na china matou quase 80 mil pessoas, em Myanmar, mais de 70 mil pessoas morreram depois que um ciclone atingiu a região.
Será que isso é normal? Será que devemos nos acostumar com tudo que vem acontecendo ultimamente?
A verdade é que já estamos nos acostumando com muita coisa que não era comum há algum tempo. Esse bombardeio de noticias que recebemos todos os dias, acabam nos deixando insensíveis. O que era chocante agora é comum, é rotina. Eu sei que no jornal de amanhã terá noticias de assassinatos, violência e de corrupção. Só não quero ser surpreendido por uma noticia fora do “comum”, algo que ainda consiga chocar a população.
Por que será que tudo anda meio fora do lugar? Por que será que tudo é tão imprevisível, por que as coisas não seguem a ordem que seguiam há pouco tempo atrás?
Desde sempre, as coisas sempre mudaram, a diferença é que cada vez mais acontecem mais mudanças em menos tempo. E mudanças geram mudanças. Não da para se fazer predições, não da para imaginar onde estaremos daqui a alguns anos. A julgar pela historia, pelos fatos, não da pra ser muito otimista quanto ao futuro. Mas eu quero me surpreender.
Não se pode fechar os olhos frente aos progressos da humanidade. A expectativa de vida de vida vem crescendo nos países em desenvolvimento. Tudo bem que as desigualdades sociais também crescem. É um mundo cheio de contrastes. Extrema riqueza ao lado de miséria desumana. Indiferença é o pão de cada, o pão digno é escasso. Há fartura de pão, o pão que o diabo amassou. Sei que não se pode perder a esperança, mas não é fácil acreditar quando os dados mostram-se negativos. Existem muitos bons exemplos que nos ajudam nessa tarefa. As constantes chuvas no final de 2008 que caíram sobre o sul do Brasil, mobilizaram grande parte do país. Muitas foram as doações e alimentos, roupas e dinheiro. Várias pessoas viajavam nos fins de semana até Santa Catarina para ajudar a organizar e distribuir as doações. Essas ações renovam as esperanças de um mundo menos desigual, onde vale a vida. Onde as pessoas amem ao próximo como a si mesmo. Sem preconceitos, vendo em cada pessoa, seu irmão, seu pai, sua mãe, seus avós. É preciso acreditar em um mundo melhor. É preciso ter coragem para denunciar as injustiças, a opressão. É preciso ser a voz dos que não podem falar, proteção para os que não podem se defender. Eu sei, há amor no mundo ainda, amor puro e sem interesse. Enquanto houver amor, há esperança.

domingo, 4 de janeiro de 2009

ACORDEI DURANTE A NOITE...

Heber de Paula P.

Essa noite choveu. Acordei de madrugada com o som da chuva, fechei um pouco a janela de modo que pudesse ver e ouvir a chuva, mas que ela não molhasse muito o meu quarto. O som da chuva é a melhor canção de ninar e os respingos no meu rosto, um afago sublime da mãe natureza. Estava escura ainda, a luz natural da noite é melhor que a meia luz do abajur. Ao reparar essas coisas, fecho logo os olhos e começo a sentir, sentir mais fundo a noite e o escuro. Ouvir os sons no silencio, vários sons que, juntos formam a maior orquestra da terra. As gotas de chuva, cada uma delas num ritmo diferente e de acordo com a intensidade, mudam o tom. Em cada folha que cai, produz um som diferente, assim como, em cada terreno. O vento nas folhas, as folhas nas árvores, executam a mesma sinfonia. Qual será o nome dela? Quem a compôs? Desde quando existe? Genial! O vento agora balançou minha janela, um tom dramático tomou conta da melodia. O que estará acontecendo? Tempestade? Desespero? Agonia? Sofrimento? Não sei, essa musica é complexa demais. As cortinas balançam e produzem uma sombra na parede branca do quarto. Elas dançam de acordo com a musica! Quem é o responsável por essa peça? Quem criou esses passos que com extrema perfeição as cortinas dançam sem parar? Elas dançam em sintonia com a correnteza que a água formou e vai deslizando rua a fora até chegar não sei onde. Quero pegar no sono de novo. Essa canção de ninar acabou me envolvendo. Essa musica é infinita. De manhã começa outra parte da peça, o sol radiante e seu brilho dourado. Ou será a manha cinzenta com “ar de preguiça”? Não sei qual será a próxima peça, mas uma coisa eu sei, será genial! Estou ansioso, por isso vou dormir para acordar.