terça-feira, 10 de abril de 2012

Ovelha, moeda e filho...quem dá mais?

Em conversa com um amigo, por sinal bom pregador, discutíamos a relação entre as três parábolas de Lucas 15, a saber: ovelha perdida, moeda perdida e filho perdido. Nossa fala era envolvida pela questão da hermenêutica. Lembrávamos de Lutero, da Bíblia na mão no povo e etc. Infelizmente muitos traduziram essa revolução como “o povo tem o poder de interpretar o que o texto diz”. Bem, subjetivamente sim; o protestantismo trouxe essa possibilidade, contudo, sem uma percepção crítica e conhecimento dos originais (língua e etc), impossível.

Nossa interrogação era sobre o irmão do filho perdido. O que fazer com ele? Na parábola da ovelha, há uma festa e todos festejam; quando a mulher encontra sua moeda, todas festejam; quando o filho torna para casa, o irmão não festeja.

Conclusão: as três parábolas são contadas por causa desse irmão.

Se quisermos entender melhor, basta olharmos quem está do outro lado da calçada: os fariseus. Gente que festeja a salvação da ovelha e da moeda, menos do ser humano.

Jesus é categórico ao dizer que a festa e a beleza da vida devem ser prioridade. Ele nem cita o céu na terceira parábola. Não é, nem de longe, tão espiritual como as duas primeiras. As duas primeiras contam como diversão para fariseu. É do filho, do pai, da fazenda, de ritos como anel e sandália de que Jesus trata. E é do trato com a terra, com o humano, com valores além da religião, além da lei: o amor – não há lei contra o amor.

Minha sensação é que a igreja tem tomado rumos periclitantes. Festeja apenas a ovelha e a moeda enquanto o filho sujo padece.

Sim, você pode dizer que minha hermenêutica bíblica é falha. Tudo bem. Mas dizer que minha percepção do que se tem feito com o filho sujo é equivocada, seria uma baita injustiça.

Porque a ovelha é domínio de posse. Porque a moeda é domínio de posse. O ser humano não se encaixa nesse quesito (a menos que ele queira - e a própria igreja é prova do que digo). E quando a igreja quer dominá-lo como posse da instituição (isto é, dos próprios igrejados), o trata como tal enquanto desfalece o pobre moço na tentativa de voltar a pertencer e encontrar sentido numa “boa casa”.

Na visão comercial/eclesial, ele não merece como a ovelha merece. Até porque, quando a ovelha “desobedece” (desculpem o termo), quebra-se a perna e a leva nos ombros para não ter prejuízo maior; quando a moeda é perdida, varre-se a casa, acende a lamparina e só depois convida as amigas para festejar (Vai que são chamadas para ajudar e a que encontra reclama para si a sorte e a moeda? Deus me livre! Seria um prejuízo!); mas quando o homem se suja ninguém tem o poder de dizer: “não faça porque você me pertence”. Porque ele pode. Pode tudo. Ir e vir. É direito dele. Não se pode lucrar tão desonestamente (embora minha afirmativa seja utópica).

Minhas dores mancham o texto só para reclamar a ausência do amor nosso, da ausência da festa ao pródigo de que não podemos possuir – que é o outro, por sua vez, livre de nós e da religião que passamos a ser pólos-quase-humanos institucionalizados ao invés de gente-igreja, empresa ao invés de igreja-gente, renda ao invés de gente-gente.

Não sei até quando isso vai durar. Não sei como isso irá explodir ou quem sabe implodir (menos provável). O ideal era que se fizesse exames médicos periódicos, psicanálise, acompanhado sempre de altas doses de boa sociologia e música lírica para ver se ainda há alguma alma escondida nesse ser humano que se diz igrejado.

NA GRAÇA
LELLIS